Tenho mais de 2.000 DVD e Blu-ray. Às vezes, tomo a liberdade de recomendar filmes de que gosto.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

UM ESTRANHO NO NINHO

Um hospício recebe o presidiário Randle McMurphy para avaliar sua sanidade mental. O tempo de internação deveria ser o estritamente necessário para o diagnóstico, mas alonga-se. Durante sua estada, o caráter irreverente de McMurphy tumultua o ambiente gerando variadas situações cômicas.

O filme é uma crítica aos sanatórios psiquiátricos, extensível às instituições que desenvolvem objetivos próprios mais importantes do que o bem-estar das pessoas que deveriam defender.

A enfermeira Rached personifica esse desvio de conduta. Ela parece acreditar cegamente na eficiência dos tratamentos seguidos à risca. Sua obsessão em fazer os pacientes cumprirem as rotinas prescritas pelos médicos transforma os tratamentos em fins e não apenas meios para obter a cura. A capacitação para vida em liberdade acaba sendo negligenciada em favor da rigorosa obediência às regras internas. Quando sua autoridade é desafiada, fala sem alterar a voz, com entonação condescendente, mas não faz a mínima concessão. É de enlouquecer. Dá vontade de esganar.

McMurphy, extrovertido e carismático, vive conclamando os colegas para subverter a ordem do hospício e, como bônus, irritar Rached. Estabelece uma empatia especial por um grande chefe índio surdo-mudo, cujo temperamento introvertido e comportamento anti-social são opostos aos seus. O que os une é ambos considerarem o sanatório uma etapa, infelizmente necessária, à liberdade; enquanto os demais internos parecem ter encontrado lá um refúgio contra as dificuldades do mundo exterior.

Devido aos diferentes pontos de vista, tanto McMurphy quanto Rached podem ser declarados vencedores da luta que travaram ― ele consegue a liberdade, ela restabelece a paz no hospital ―, mas nenhum tem o que comemorar. É uma tragicomédia.

REFERÊNCIAS
Milos Formam, além de O Estranho no Ninho, dirigiu mais dois clássicos do cinema mundial: em 1979, a versão cinematográfica do musical Hair e, em 1984, Amadeus, a história romanceada da vida de Mozart contada por um Salieri enlouquecido pela genialidade divina do compositor rival.

Jack Nicholson, o ator que interpreta Randle McMurphy, foi indicado a 12 Oscar e ganhou 3, um por este papel e 2 como melhor ator coadjuvante de Laços de Ternura e Melhor é Impossível. Ainda atuou em: Antes de Partir, Os infiltrados, Batman, O Iluminado, Chinatown, etc.

Louise Fletcher, a atriz que representa a enfermeira Rached, ganhou o Oscar de melhor atriz por este papel e atuou em vários outros filmes, porém, pouco conhecidos como O Exorcista II – O Herege onde contracenou com Richard Burton.

QUER MAIS?

9 indicações para o OSCAR 1975. Ganhou 5: melhor filme, roteiro adaptado, direção, ator e atriz.

DIA IDEAL PARA ASSISTIR

Quando você quiser assistir uma comédia, disposto a reflexões e sentimentos controversos, não necessariamente leves.

POR QUE GOSTEI?

Porque é simplesmente espetacular o embate entre a irreverência de McMurphy e a obstinação da enfermeira Rached. O filme ainda mostra até que ponto uma instituição pode se desviar de seus objetivos.

SERVIÇO

Para Acompanhar
Para se sentir um convidado na festa do hospício é bom ter à mão vodka, rum e uísque. E a bebida forte vai ajudá-lo a enfrentar melhor a tragédia que se aproxima.

Pausa
Um ponto bom para interromper a sessão aproximadamente no meio é ao final da pescaria dos malucos, quando o barco volta e eles exibem os peixes que pegaram (1:05:20). A seguir vem uma decisão capital para o destino de McMurphy.

Mais Informações
Título original: One Flew Over the Cuckoo’s Nest. Produção: 1975. Classificação: 16 anos. Para ver mais acesse o portal oficial da Warner Home Entertainment: http://www.warnerbrosvideo.com.br/pak.php?id=196

EM DESTAQUE

Falhas
(0:52:00) McMurphy pula a cerca do sanatório segurando no arame farpado com as mãos nuas e não sofre um ferimento sequer.

(1:41:22) Um paciente põe vodka em uma vasilha (parece uma leiteira de ágata) de onde sai um tubo. E quando ele dá de beber aos outros pacientes, o líquido que sai do tubo é âmbar parecendo um uísque bem escuro.

Bastidores:
(1:28:24) Reparou que quando McMurphy volta do eletrochoque ele chama a “Srta Rached” de “Mildred” que, no caso, e na cultura americana, soa como uma intimidade abusiva. Não estava no roteiro, Jack Nicholson (McMurphy) quis pegar Loise Fletcher (Rached) de surpresa para a emoção do momento ficar mais real.

Mensagem
Cuidado com as instituições, elas podem colocar os próprios interesses à frente de seus objetivos declarados e massacrar você.

Como fazem, por exemplo, governos e igrejas.

Experiência pessoal
Certa vez, quando eu tinha vinte e poucos anos, voltava de moto da casa de minha namorada, devagar, curtindo o lindo dia ensolarado, quando avistei um rapaz vestindo uma espécie de pijama na calçada ao lado de um hospício. Certamente era um interno que acabara de pular o muro. Ele gesticulou para eu parar. Parei. “Eu não sou louco, eles enganaram minha mãe, me dá uma carona para eu sair daqui e pegar um ônibus.” Parecia aflito para fugir antes que o recapturassem, mas agia normalmente. “Suba na garupa e segure firme”, ordenei. Não sei quem era mais maluco ali: ele ou eu, que o ajudei a fugir. Deixei-o num ponto de ônibus próximo e nem me ocorreu se teria dinheiro para a passagem. Espero que tenha conseguido voltar para casa sem matar ou violar alguém. Na hora não imaginei que pudesse ser perigoso. Depois passei vários dias esquadrinhando os jornais à procura de notícias. Felizmente ele não causou qualquer dano que merecesse virar manchete.(*)

Detalhes
(0:28:58) McMurphy recusa-se a tomar remédio sem saber do que se trata, teme que contenha salitre, conhecido por produzir disfunção erétil. Rached diz para outra enfermeira que se ele não quiser tomar por via oral “podemos conseguir que tome de algum outro jeito”. O tom é tão profissional que não percebi a malícia até McMurphy mexer com o próximo paciente da fila.

(1:31:30) McMurphy entra clandestinamente na sala vazia dos enfermeiros. Quando o responsável retorna por uma porta, McMurphy sai pela outra tomando o cuidado de fechar sua porta no mesmo momento em que outro fecha a dele. O detalhe interessante é que o som das duas portas é ligeiramente desencontrado, o suficiente para cena ficar real, mas não tanto que desse para perceber a saída furtiva.

(1:55:20) Depois de viver seu momento de glória, o gago Billy fala sem gaguejar: “Posso explicar tudo” e “Não tenho”. É um momento fugaz, em seguida...

(*) FRANKLIN, Flávio. Dá trabalho ser feliz, mas vale a pena. Pág. 143. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.

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