
Um filme peculiar. É quase um musical: o enredo não é contado através de canto e dança, mas como os protagonistas são dançarinos de salão, os dramas emocionais acontecem durante ensaios e competições de dança. É quase desenho animado: excetuando-se o casal romântico, os demais personagens são bastante estereotipados. O ambiente de dança de salão colabora com passos coreografados, roupas “artísticas” e sentimentos limitados, basicamente, à vaidade e à ambição. É quase conto de fadas: a “gata borralheira” Fran, servente e principiante na dança, enamora-se do “príncipe” Scott Hastings ― filho da professora da academia, jovem, bonito e melhor dançarino da cidade ― e sonha dançar com ele o Grande Prêmio Pan-Pacífico de Dança de Salão.
Evidentemente, a vontade que mãe e filho têm de ganhar o concurso e a concorrência de candidatas mais qualificadas conspira contra as pretensões da moça; afinal, vencer o Pan-Pacífico transforma dançarinos comuns em celebridades. Sem os recursos mágicos dos contos de fadas, a esperança dos espectadores que torcem por Fran está no poder transcendente das virtudes humanas.
As palavras, principalmente quando em excesso, podem atrapalhar a emoção, mas a música e a dança, por serem percebidas em estruturas mais primitivas do cérebro, tocam direto aquilo que, poeticamente, chamamos coração. Penso que aí reside a força emotiva da obra, poucas palavras e muita expressão corporal.
O filme também é uma festa para os sentidos, um exagero de cores, brilhos, sons e ritmos.
REFERÊNCIAS
Baz Luhrmann, indicado ao Oscar de melhor diretor em 2001 por Moulin Rouge: Nicole Kidman, principal dançarina do Moulin Rouge, seduz um autor teatral ― jovem e bonito ― pensando tratar-se de um duque, que pode patrocinar seu novo espetáculo. E, para seu infortúnio, se apaixona pelo pobretão. Em 2008 fez Austrália: drama épico em que uma inglesa aristocrática, Nicole Kidman, herda uma fazenda na Austrália numa região que será bombardeada pelos japoneses no início da 2ª Guerra Mundial.
Paul Mercúrio, o Scott Hastings, é um ex-dançarino profissional que tornou-se ator, principalmente, de episódios para tevê australiana. É pouco conhecido por aqui.
Tara Morice, a Fran, é uma atriz com muitos trabalhos para o teatro e televisão australianos, também sem maior projeção para o público brasileiro.
DIA IDEAL PARA ASSISTIR
Quando quiser assistir a um enredo leve, bonito e emocionante. É um filme tipo “sessão da tarde” da tevê: bom para assistir em família, embora, adolescentes mais afeitos a sexo e violência possam se entediar.
POR QUE GOSTEI?
Porque é um conto de fadas em que a transcendência acontece, sem emprego de magia, por obra exclusiva do amor e das virtudes humanas.
SERVIÇO
Para Acompanhar
Embora a ação se passe na Austrália, o filme é um tributo à cultura latina, em particular à hispânica. Sugiro acompanhar a sessão com sangria e tapas. Existem várias receitas de sangria, mas, basicamente, é uma mistura de vinho gelado (tinto ou branco) com algum suco de fruta (ou soda-limonada) onde se adicionam pedaços de frutas e açúcar (mel ou adoçante). É a bebida ideal para uma sessão de cinema em casa, refrescante, criativa como a caipirinha e com baixo teor alcoólico. Tapas, em espanhol, traduz-se literalmente por tampas ou coberturas, mas, no caso, significa petiscos. O sentido deriva de antigo costume dos bares espanhóis de servirem a caneca de bebida tampada por um pratinho de petiscos. Para ser bem típico espanhol servir fatias de presunto crú. A rigor deveria ser o famoso Pata Negra, feito com, no mínimo, 75% de carne do cerdo (porco) negro ibérico, mas também pode ser o bom e (mais) barato similar nacional.
Pausa
Um ponto bom para interromper a sessão aproximadamente no meio é ao fim da sequência em que a mãe de Scott consegue convencer Fran a desistir da idéia de dançar com seu filho (0:43:06).
Mais Informações
Título original: Strictly Ballroom. Produção: 1992. Classificação: Livre. O site da distribuidora Europa Filmes estava em reformulação na data da postagem e não permitia acesso às informações do filme. Talvez, neste momento, já esteja funcionando plenamente: http://www.europafilmes.com.br/
EM DESTAQUE
Falha
(0:03:16) A legenda não mostra, mas a mãe de Scott Hastings fala em inglês, rapidamente, tal e qual uma metralhadora, Although there was no doubt in anyone’s mind that Scott and Liz would be the next amateur fine dance Latin American Champions. Uma frase tão grande para ser dita em tão curto espaço de tempo, a atriz não precisava acrescentar, indevidamente, a palavra “American”. O concurso é de dança “latina” e não “latino-americana” ― afinal, o “passo doble” exaustivamente ensaiado é uma música de origem espanhola. Em (1:09:50), o dono da academia onde trabalha a mãe de Scott confirmou minhas suspeitas referindo-se à disputa como: a grande final de dança latina.
Mensagem
Viver com medo é viver pela metade.
O conceito é expresso em dois momentos determinantes do desenrolar do filme: Em (0:19:55), com essa mesma frase, quando Fran tenta convencer Scott a lhe dar uma chance e, mais tarde (1:15:50), com outras palavras, quando o pai do dançarino revela a verdade. Na família de minha mulher diz-se algo semelhante: É melhor ficar 5 minutos vermelho do que passar o resto da vida amarelo.
Detalhes
(0:03:16) A legenda se refere genericamente a “dança de salão”. Porém a mãe de Scott Hastings refere-se especificamente ao grande prêmio “Pan-Pacifico” de dança “latina”. O detalhe é importante. Na sequência, o espectador vai ver uma versão “pan-pacífica” ― sem a ginga brasileira ― de samba (o ritmo também não se parece com samba). Mais a frente (0:47:54), os pais de Fran, que são espanhóis, vão ridicularizar o “passo doble” de Scott ― sem a dramaticidade ibérica.
(0:11:36) Repare que o rosto de Fran fica realmente achatado contra o vidro da porta.
(0:25:55) Sequência romântica: Scott e Fran passam a noite dançando sobre a laje da academia, em frente a um painel iluminado da coca-cola, que parece feito de lantejoulas vermelhas.
(0:47:54) Compreende-se que o “passo doble” do rapaz australiano não tenha a dramaticidade espanhola, mas o filme exagera: um dançarino com a categoria de Scott Hastings não seria tão ridiculamente desajeitado.
(1:07:20) Por que, nos filmes, para mostrar perturbação, as pessoas quase sempre fazem a maior bagunça nas coisas dos outros, à procura de algum objeto? Que falta de consideração!
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