Tenho mais de 2.000 DVD e Blu-ray. Às vezes, tomo a liberdade de recomendar filmes de que gosto.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O CRIME DO PADRE AMARO

O filme adapta para o cinema contemporâneo o livro homônimo de Eça de Queiroz escrito no Século XIX, um clássico da literatura mundial. A primeira vista parece um salto exageradamente grande, mas os realizadores tomaram o cuidado de ambientar a trama numa dessas cidadezinhas mexicanas que conservam as tradições culturais e religiosas do passado. O resultado agradou-me.

Amaro e Amélia se enamoram. Suas situações são análogas, ambos são jovens, bonitos, cheios de energia sexual e têm forte compromisso com a castidade: ele pelos votos sacerdotais; ela por ser solteira, católica e inserida numa sociedade ultraconservadora.

A trama é situada no ambiente religioso, o que a faz ficar mais apimentada, mas poderia estar em qualquer outro contexto. É um drama essencialmente humano com todas as nossas paixões, ambições, virtudes e egoísmos.

Amaro é um jovem talentoso, com futuro promissor, que é forçado a encolher: progredir na carreira profissional ou construir família. A realidade se impõe, não é mais possível conciliar. O fato de ser sacerdote acrescenta complexidades, determina detalhes, mas não altera a essência da escolha.

Amélia é uma moça sensível que, como muitas outras, sonha encontrar o verdadeiro amor. Namora Rúben sem muito entusiasmo e mantém-se casta, como exige a condição de moça solteira. Tudo certo até encontrar Amaro e ter sua convicção moral abalada pela paixão.

Cabe ao filme o mesmo comentário que Antero de Quental fez sobre o livro em carta a Eça de Queiroz: “Com efeito, aquela gente não merece ódio nem desprezo. Aquilo, no fundo, é uma pobre gente, uma boa gente, vítimas da confusão moral no meio de que nasceram, fazendo o mal inocentemente, em parte, porque não entendem mais nem melhor, em parte porque os arrasta a paixão, o instinto, como pobres seres espontâneos, sem a menor transcendência. Isto é a verdade, em geral, de todos os homens”.*

REFERÊNCIAS

Carlos Carrera: os filmes que dirigiu são pouco conhecidos no Brasil. É um bom diretor, ganhou vários prêmios internacionais, inclusive a Palma de Ouro do Festival de Cannes pelo curta metragem O Herói.

Gael Garcia Bernal, o padre Amaro, atuou ainda em: Ensaio Sobre a Cegueira; Babel; Déficit; O Rei; Diários da Motocicleta; Amores Brutos; etc.

QUER MAIS?

O filme foi indicado ao Oscar 2002 de melhor filme em língua estrangeira (não ganhou).

DIA IDEAL PARA ASSISTIR

Quando quiser assistir um romance trágico.

POR QUE GOSTEI?

É um filme de amor realista, onde sentimentos bonitos e puros se misturam ao egoísmo e a ambição.

SERVIÇO

Aviso
O filme é sacrílego, como o livro em que se baseia. Pode ser revoltante ou ofensivo para consciências religiosas menos tolerantes.

Para Acompanhar
A trama foi ambientada num lugarejo do México. Tortilhas com guacamole são uma boa alternativa. Na falta de tortilhas, serve Doritos ou pão árabe torrado. Guacamole é aquela salada de cubos, ou massa, de abacate misturado a um refogado de azeite, cebola, alho e tomate, temperada com sal, suco de limão e pimenta. Para beber, não tendo orchata, sucos tropicais e, para quem quiser algo mais forte, tequila.

Pausa
Um ponto bom para interromper a sessão aproximadamente no meio é ao final da cena em que, no restaurante da mãe, Amélia toca propositalmente no dedo do padre Amaro (0:54:56). É a primeira declaração explícita de amor entre eles.

Mais Informações
Título original: El Crimen del Padre Amaro. Produção: 2002. Classificação: 16 anos. Para ver mais acesse o portal oficial (em inglês) da Sony Pictures: http://www.sonypictures.com/cthe/crimeofpadreamaro/

EM DESTAQUE

Falha
Próximo ao final do filme: São duas horas da manhã, Amaro espera por Dionísia encostado na caminhonete. A cena, filmada em noite americana ― feita de dia, artificialmente escurecida para simular noite ―, começa com o sol ainda alto no céu fazendo papel de lua cheia para justificar a ótima claridade noturna (1:41:25). Pouco tempo depois, ela reaparece um fiapo, quase lua nova (1:47:05).

Bastidores
Nos extras do vídeo, o diretor e o protagonista contam fatos que reafirmam o realismo da trama:

Duas semanas após o lançamento do filme, o jornal mexicano El Processo publicou fotos do envolvimento de padres com o narcotráfico semelhantes às que aparecem no filme (0:33:00). Relacionamento que ocorreria tanto por conveniência, quanto por falta de opção. Não dá para recusar o convite de um narcotraficante para oficiar o batismo de seu filho.

Na África, teria havido um episódio real com desfecho essencialmente semelhante ao do filme. O papa teria reconhecido o fato e pedido perdão à família da vítima.

Curiosidade
A filha do sacristão nasceu doente e vive entrevada numa cama. Chama-se Getsêmani, nome escolhido pelo padre Benito. É um termo bíblico que significa “prensa de azeite” e designa o local no sopé do Monte das Oliveiras onde Jesus e discípulos oraram na noite anterior a crucifixão. É um nome que denota sofrimento. O Evangelho de Lucas descreve a dor de Jesus no Getsêmani à espera da tortura e morte: "E cheio de angústia orava com maior instância. O suor tornou-se como grossas gotas de sangue a escorrer-lhe por terra.”

Mensagem
O amor não conhece barreiras, nem suas consequências.

A mensagem pode ser lida de duas formas, ambas corretas: O amor não conhece barreiras, nem conhece suas consequências ou O amor não conhece barreiras, nem suas consequências conhecem barreiras.

Detalhes

(0:04:48) O Padre Amaro acaba de descer do ônibus chegando a Los Reyes. A mocinha que esta comprando pães na banca de rua, não resiste, e dá uma olhadinha para câmera.

É uma cena especialmente chocante de sacrilégio: A velha Getsemaní tira da boca a hóstia consagrada e guarda (0:12:57). Chega em casa e... (0:14:13).

Getsemani deseja Amaro logo no primeiro encontro. O que ela demonstra se atracando à mão do padre e puxando-a para seu seio (0:21:32). Imaginem sua excitação e sofrimento com o que vai acontecer no quarto contíguo.

(0:39:50) Amélia destrata o namorado pelo telefone. Em espanhol, a esculhambação soa ainda mais deliciosamente aviltante!

As cenas de amor do padre Amaro não têm trilha sonora (1:09:44) e (1:14:14). A música é que normalmente dá o tom da ação: alegre, triste, intensa... Nestas, o sentimento do espectador segue seu curso natural, sem indução.

Outra cena especialmente chocante de sacrilégio: O Padre Amaro, durante as preliminares do sexo, cobre sua amante com... (1:14:39). Quem leu o livro, talvez, se lembre.

(*) Obras Completas de Eça de Queiroz (1º vol., Pag. 65). Rio de Janeiro. Editora Nova Aguilar, 1997.

― 19 ―

2 comentários:

Niels disse...

O que é horchata?

Flávio Franklin disse...

Sabe a música "Vaca Profana" do Caetano Veloso:

Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Inscrevo, assim, minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada...

"Orchata de chufa, si us plau"
No mais, as "ramblas" do planeta
"Orchata de chufa, si us plau”...

Pois bem, a orchata é um refresco que parece um leite aguado. É feita de água misturada a um amido aromatizado com canela e raspas de limão e adoçado com muito açúcar. Originário da Espanha, onde o amido utilizado é de chufa (um pequeno tubérculo, com aparência do nosso amendoim com casca, típico da Espanha, Norte da África e Oriente Médio), é muito popular no México, onde é feita com amido de arroz. No filme o Padre Amaro toma orchata.

Nota: Na postagem, eu havia gravado "horchata" como se escreve em espanhol, mas vi que a palavra existe em português sem o "h" e corrigi.