
Drama ou filme histórico? A Vida dos Outros é tão bom que fica difícil determinar que aspecto seu é mais cativante, se os dramas pessoais ― realistas, mas ficcionais ― ou a tragédia coletiva, que é histórica.
A ação passa-se na Alemanha oriental, começa pouco antes da queda do Muro de Berlim e termina com o país já unificado sob regime democrático. Um agente do serviço secreto (Stasi) é destacado para espionar um importante dramaturgo, simplesmente, porque ele namora a atriz cobiçada pelo ministro da cultura. O agente Wiesler, um homem íntegro, percebe que sua missão atende a conveniências particulares: seu chefe quer agradar o ministro que deseja a mulher do dramaturgo.
Wiesler espalha escutas no apartamento e passa os dias ouvindo o que se passa, até no quarto do casal. Ele, um solitário que vivia apenas para o trabalho, conhece a “a vida dos outros”, onde há amizade, dignidade, solidariedade, altruísmo, ternura, sexo, amor, ciúme, insegurança, medo, incompreensão, erro, perdão... Uma variedade de sentimentos que há muito tempo não experimentava.
Os três personagens principais, o agente Wiesler, o autor teatral Dreyman e sua namorada Christa-Maria são essencialmente bons. Mas são humanos. Suas qualidades e fraquezas vão sendo reveladas no decorrer da trama.
Sabe aqueles filmes de ação tipo A identidade Bourne em que mal dá tempo de respirar tal a sucessão de aventuras, o mesmo acontece em A Vida dos Outros, mas, em vez de ações, são emoções que se sucedem.
QUER MAIS?
OSCAR 2007 de melhor filme estrangeiro.
DIA IDEAL PARA ASSISTIR
Quando você quiser viver emoções predominantemente boas, mas com realismo, não do modo água-com-açúcar das comédias românticas.
POR QUE GOSTEI?
Porque é um filme com muito drama e um final comovente para o espectador lavar o rosto de lágrimas e a alma com o que há de mais sublime na natureza humana.
SERVIÇO
Para Acompanhar
Filme alemão. Além de pipoca e refrigerantes, sugiro cerveja gelada, que combina com salsichão fatiado. A rigor, alemão não toma cerveja gelada, mas não precisamos ser tão rigorosos.
Pausa
Para interromper o filme aproximadamente na metade você pode fazê-lo após a conversa de Christa-Maria com Wiesler num bar, no “gancho”: Ela voltará ou não para os braços do namorado? (01:03:17).
Mais Informações
Título original: Das Leben Der Anderen. Produção: 2006. Classificação: 12 anos. Para ver a ficha técnica completa etc acesse o portal oficial da Europa Filmes: http://www.europafilmes.com.br/. Na parte inferior da tela inicial busque por “a vida dos outros”.
EM DESTAQUE
Mensagem
Algumas pessoas são capazes de se sacrificar por princípios, sem qualquer expectativa de recompensa.
Wiesler é agente secreto do governo comunista alemão, um homem treinado para cumprir ordens superiores sem questionar ou vacilar. Mas também é um homem de princípios. Para evitar que se faça uma ignóbil injustiça, ele porá em risco sua brilhante carreira profissional.
Metáfora
Irmãos de sangue. Você já viu nos filmes pessoas selarem pactos de união afetiva ou em favor de causas nobres através de ritual em que misturam seus sangues. No filme isso acontece de maneira sutil: Dreyman se fere acidentalmente em uma cena (1:22:39) e bem mais tarde (2:03:05), quase 7 anos depois, descobre que seu “irmão de sangue” feriu-se no mesmo objeto cortante.
Tradutor, traidor!
Na cena em que Wiesler conversa com seu chefe num refeitório (0:34:38), o sistema de som anuncia na versão legendada que “A equipe de voleibol se reunirá às 19 h.” e na dublada que “As 19 horas os funcionários da manutenção terão uma reunião com o gerente do setor de transportes.” Que acontecerá às 19 horas?
Detalhe
O filme tem um drama que se resolve com dois olhares. Fantástico! Wiesler encontra-se pela primeira vez com Christa-Maria em um bar. Vestido modestamente, ele é um joão-ninguém interpelando uma atriz famosa. Mas é ouvido com consideração, após declarar (1:01:45): “eu sou seu público”. O diálogo, determinante para o desenrolar da trama, é carregado de conteúdo emocional. Mais adiante, reencontram-se em situação oposta (1:40:06). Ele é a autoridade, ela, detida na véspera, vem conduzida por um guarda que pergunta se deve “algemar a prisioneira”. Ao reconhecê-lo, ela baixa o olhar. É este olhar que mostra o quanto está envergonhada, não perante o algoz, mas perante “seu público”, como ele se definira. Ela ainda tenta negar o que se envergonha de ter revelado. Wiesler quer saber mais, pressiona, ameaça e depois suaviza: “pense no seu público”. O superior, que assiste o interrogatório através de um espelho de face única, diverte-se: “‘pense no seu publico’, ele tem cada idéia”. Parece excentricidade, mas o espectador viu no diálogo do bar a associação indelével de Wiesler ao púbico da atriz. Para extrair a informação-chave de que necessita, várias vezes ele se refere a “seu público”. Finalmente, quebra a resistência da interrogada apenas com o olhar (1:42:52), um olhar cúmplice que significa: “pode confiar em mim, eu sou ‘seu público’ e ‘seu público’ a ama, não vai lhe fazer nenhum mal”.
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